Por Susilaine Moraes Aquino
A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS, do inglês transcranial Direct Current Stimulation) é técnica neuromodulatória não invasiva que tem ganhado destaque no campo da neurociência clínica como abordagem promissora para o tratamento de diversas condições neurológicas e psiquiátricas, o que inclui o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O TEA é distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits persistentes na comunicação social, padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, e alterações sensoriais. A heterogeneidade dos sintomas e a complexidade fisiopatológica do TEA demandam intervenções personalizadas e multidisciplinares, nas quais a tDCS emerge como ferramenta complementar de potencial terapêutico.
Fundamentos da tDCS
A tDCS consiste na aplicação de corrente elétrica de baixa intensidade (geralmente entre 1 e 2 mA) através de eletrodos posicionados no escalpo. Essa corrente modula a excitabilidade neuronal, o que pode aumentar (anódica) ou diminuir (catódica) a atividade neural na região cerebral estimulada, a depender da polaridade utilizada. O efeito da tDCS é mediado por alterações na despolarização ou hiperpolarização das membranas neuronais, o que acaba por influenciar a plasticidade sináptica e a conectividade funcional entre redes cerebrais.
Aplicação da tDCS no TEA
No contexto do TEA, a tDCS tem sido investigada como intervenção capaz de modular circuitos neurais associados aos sintomas centrais do transtorno. Estudos sugerem que disfunções em regiões como o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL), o córtex temporal superior e o córtex parietal inferior podem estar relacionadas aos déficits sociais, cognitivos e sensoriais observados no TEA. A aplicação da tDCS nessas áreas visa restaurar ou melhorar a funcionalidade desses circuitos, promover mudanças comportamentais e cognitivas.
Por exemplo, a estimulação anódica do CPFDL tem sido associada a melhorias na cognição social, na teoria da mente e na flexibilidade cognitiva, enquanto a estimulação catódica de áreas hiperexcitáveis pode reduzir sintomas de hiperreatividade sensorial. Além disso, a tDCS pode ser combinada com intervenções comportamentais, como treinamento de habilidades sociais ou terapia cognitivo-comportamental, e potencializar seus efeitos terapêuticos.
Evidências Científicas
Estudos clínicos e experimentais têm demonstrado resultados encorajadores quanto à segurança e eficácia da tDCS no TEA. Revisões sistemáticas e meta-análises indicam que a técnica é bem tolerada, com efeitos adversos leves e transitórios, como coceira ou formigamento no local da aplicação. Em termos de eficácia, há evidências de melhorias significativas em domínios como comunicação, interação social e controle de comportamentos repetitivos, embora a variabilidade individual e a necessidade de protocolos personalizados sejam desafios a serem considerados.
Considerações Técnicas e Futuras Direções
A aplicação da tDCS no TEA requer a consideração de fatores como a localização precisa dos eletrodos, a intensidade e duração da corrente, e o número de sessões necessárias para alcançar efeitos duradouros. Além disso, a heterogeneidade do TEA demanda uma abordagem individualizada, considerando o perfil sintomático e as características neurobiológicas de cada paciente.
Futuras pesquisas devem focar na padronização de protocolos, na identificação de biomarcadores que possam prever a resposta ao tratamento e na investigação dos efeitos a longo prazo da tDCS. A integração da tDCS com outras modalidades terapêuticas, como a neurofeedback e a realidade virtual, também representa área promissora para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes e abrangentes.
Conclusão
A tDCS surge como técnica inovadora e segura para o tratamento do TEA, com potencial para modular circuitos neurais disfuncionais e melhorar sintomas centrais do transtorno. Embora ainda sejam necessários estudos mais robustos e de longo prazo, os resultados preliminares são promissores e reforçam a importância de investir em pesquisas que explorem o papel da neuromodulação no manejo do TEA. A combinação de abordagens multidisciplinares e a personalização dos tratamentos são essenciais para maximizar os benefícios da tDCS e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos com TEA.
Fonte: Instituto Shen